12 de set. de 2011

Infância Agitada

Meus pais se separam. Meu pai sempre no meio da encrenca. Anos dourados morando com a avó italiana, tios incríveis e infância pra lá de proveitosa. 1° Quase-Morte.


A lembrança mais marcante que tenho de minha infância é a do meu pai no portão nos entregando pra minha mãe. Depois da separação deles, fomos morar com minha avó. Como ele poderia ter nos tirado daquela magnífica casa, onde além de minha avó e meu avô morávamos nós quatro e mais cinco tias e um tio? Ali era um paraíso na cidade. Tinha um pequeno campo de futebol no fundo, galinheiro, um pomar gigantesco, espaço pra correr e se esfolar a vontade. Sabe aquele lance meio Sitio do Picapau Amarelo? Sem exageros, e guardadas as proporções de fantasia da obra do Monteiro Lobato, a casa de minha avó não perdia por nada. Certa vez, no meio de uma chuva tropical, vi meus irmãos construindo paredes de barro e tijolos. Tipo cabaninha mesmo. No meio da chuva, das árvores e daquele imenso quintal.
Minha avó era uma figura maternal muito importante para todos ali. Era o ponto de equilíbrio, o centro de gravidade e referência para aquele bando de descendentes de italianos abrasileirados. De vez em quando via-se um prato voando durante o jantar. Era um diálogo de irmãos acontecendo. Normal. O importante era tudo que acontecia ali. Era tudo ao mesmo tempo agora. Meu tio Paulinho, apaixonado por velocidade, motos e carros, era rodeado de amigos motoqueiros, sempre desmontando ou montando motos, jipes, caminhonetes e fuscas. Ele sempre namorava umas gatas anos 80. Minhas 3 tias que não se casaram(beatas mesmo), sempre cuidando de tudo, das contas, da ordem financeira da casa. Sei de algumas histórias de ex-namorados e ex-noivos, mas esse assunto fica pra mais tarde. Meu avô sempre calado e sério, sempre por ali, observando e ás vezes colocando ordem na casa.



E assim minha avó me levava todos os dias pra escola, que era a três quadras dali. Dias desses, depois da minha estada na Europa, estava passando em frente a escola e resolvi parar e entrar. Até o cheiro ainda era o mesmo. Parecia que eu ia me deparar com um amigo daquela época. Recomendo uma visita a sua escola primária ou ginasial. Faz um bem danado pra alma. É como voltar no tempo – acho essa expressão piegas – e ali parece que o tempo parou. Sabe daqueles efeitos especiais onde o cara vê o passado bem na sua frente. Experimente e é de graça. Deu onda.
De vez em quando meu pai se envolvia em confusões durante os jogos do Uberlândia Esporte no Juca Ribeiro. O estádio ficava em frente a nossa casa e saía a italianada em caravana pra tirar meu pai do olho do furacão. Era só barulho, se viam os braços agitados e era claro que ali ninguém queria realmente partir pra porrada. Era até mesmo meio teatral, engraçado. E as nonas chorando – Vem Luizinho, sai daí Luizinho!!! – pastelão italiano no interior de Minas.

Quando entramos na nova casa, meu padrasto veio nos receber, cumprimentando um a um. Minha mãe conta que naquela casa aconteciam alguns efeitos de paranormalidade. Tipo um abacate atravessar o telhado da área e se esborrachar no chão e rolos de linha correndo pela sala. Eu mesmo nunca presenciei nada. Ainda bem.

Foi um período rápido antes de mudarmos para a nova casa. Naquela época, mudamos para o fim do mundo. Num dia de chuva, descarregando o caminhão de móveis e na primeira noite ainda andando sobre tábuas da construção. O nosso bairro era o último da cidade. Tudo bem que hoje é quase centro, mas naquele tempo foi um tormento. Mas com o passar do tempo, o bairro cresceu muito e se tornou um lugar muito agradável para qualquer criança viver, brincar e crescer.

O melhor era quando meu pai visitar. Quando a perua Kombi aparecia na esquina, era sinônimo de coisa boa. Meu pai nunca trazia problemas nem chateações. Sempre trazia novidades com legumes, ou vice-versa. E assim fui crescendo, jogando pedra em passarinho, brigando com os moleques da rua debaixo, estourando a cabeça do dedão do pé nos campinhos de futebol e esfolando a cara com tombos de bicicleta.
Nas férias meu pai sempre levava a gente pra fazenda dos primos da sua esposa, a Dona Onésia. Guarde esse nome. Minha madrasta é a encarnação do anjo da guarda. Gentil, prestativa e de uma paciência sem fim. Sem contar nas técnicas e tiradas de humor que só ela tem. Algumas noites, ficávamos com a mandíbula doendo de rir das piadas que ela e o meu pai contavam. Stand-up de alta qualidade na família.
                                                         

As horas na estrada dessas viagens nas férias já se valiam por si. Quando, já crescido, descobri que a cidade do Prata ficava a apenas 1hora e meia da nossa, não acreditei. Pois naquela época, parecia que participávamos do Paris-Dakar. A Kombi atolava, rodava no barro – a estrada era de terra – aquecia o motor, arriava a bateria e tudo mais que pudesse contribuir para a aventura. Uma vez a ponte sobre um rio volumoso tinha sido levada pelas chuvas. Só sobraram os pilares de sustentação. Café pequeno para o aventureiro Sr. Luiz. Descemos todos, descarregamos algumas coisas e meu pai atravessou por sobre o rio apenas naqueles sustentos de concreto, quase da espessura das rodas da perua. Indiana Jones total. Chegamos na fazenda com o dia raiando. Que visão! Que astral. O Sr.Leôncio (era o nome dele de verdade), era atencioso e nos recebia muito bem. Sua esposa Dona Maroca, uma chef de cozinha sem igual. E assim, juntávamos as turmas. Os moleques da cidade e os moleques da fazenda, pois os filhos do casal eram mais ou menos da nossa idade.
Eram dias de diversão pura e livre. Comida boa, sol quente e liberdade pra correr, brincar, andar a cavalo, nadar nos córregos das redondezas, engrossar a sola do pé de andar descalço, pisar na bosta de vaca e coisas que são possíveis apenas numa fazenda rústica. Todo dia íamos nadar num riacho que ficava a alguns metros da sede da fazenda. Era sempre depois do café da manhã.

Ás vezes descia um dilúvio tropical durante a noite, mas de manhã o céu sempre estava limpo e o sol fervilhando. E os mais novos, eu, o Riquinho e o Rosmani sempre vínhamos correndo na frente e de um barranco mesmo pulávamos dentro do córrego. Numa dessas ocasiões de chuva na noite anterior, o córrego tinha virado um rio. E nós – comment d´habitude – chegamos no barranco e pulamos direto. Tipo assim: o Irruh! Vamos nessa... foi substituído por : Putz! Fudeu! O riacho estava levando a gente.
Os três pirralhos estavam sendo engolidos pelas águas.  Eu mesmo só tenho uma lembrança que me acompanha sempre. Eu via os raios de sol entrando pela água, e as raízes das plantas passando por mim, num balé das algas. Parecia até que tocava música clássica. E eu ali, inerte, tipo um machado sem cabo, flutuando e indo embora, num silêncio sereno. Os irmãos mais velhos, que nos tiraram, dizem que viam só um restinho da minha cabeleira branca, enquanto o Riquinho pedia socorro. Eles contam que ele tirava a cabeça da água e gritava: - Socor..... e afundava. Voltava e dizia : ...ro. Não posso garantir se é história ou se eles fizeram piada do episódio.
                                                       
Nessa hora eu estava curtindo o mundo das águas – Monteiro Lobato de novo. O filho do dono da fazenda também estava enrascado no riacho. Sorte que eles vinham bem atrás e livraram nossa pele. Eu fui salvo e levado para o outro lado da margem, o que significava que teria que voltar. Imagina o processo. Dos momentos embaixo d´agua, eu me lembro dos raios luminosos do sol, cortando a água, formando uns prismas de cores únicas, diferentes. Foi a primeira vez que eu comecei a pensar em algo que li não me lembro onde.
Dizem que na hora da morte, o cara é distraído por uma luz ou som, que desvia a atenção dele, e assim ele passa pro lado de lá sem perceber ou sofrer. Acho que estavam me distraindo e depois prorrogaram minha estada nesse planeta. Vai saber.


Um comentário:

  1. Bem... que te posso dizer? Muito bem escrito... muito bem vivida, a tua vida! Vou gostar de te ir lendo!

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