19 de set. de 2011

Pré-Adolescência também agitada.

Tudo novo. Quase embarco numa excursão pro céu, de novo. Viagem de trem pra nunca mais esquecer.

As coisas estavam indo bem nessa nova fase de adaptação com minha mãe. Eu não me lembrava dela, eu só tinha três anos e dizem que até essa idade, as crianças vivem em alfa. Eu não me lembro da separação em si. Reza a lenda que minha mãe nos colocou pra dormir logo depois do almoço, e saiu. Imagina uma mulher deixar quatro filhos e ir embora. Penso que foi bem complicado pra ela. Bom, mas aqui estamos todos de novo, e nunca ficamos sabendo o porque de minha mãe ter deixado meu pai dessa forma. Devia ter suas razões. Todo mundo evita, ninguém vai direto ao assunto. Acho que o que veio depois foi melhor. Meu padrasto é trabalhador e responsável. Aguenta o tranco legal. Uma barra pesada, mas  ele está sempre em linha reta. Admiro essas pessoas. Que conseguem manter uma constância em suas vidas e durante anos a fio vão colocando um tijolinho por vez. Constroem coisas incríveis. E parecem estar sempre em paz.
Minha mãe tem uma energia difícil de descrever. É costureira profissional e pintora amadora. Mas direto aparece com umas ocupações interessantes nessas áreas artísticas. Coordena e está sempre envolvida com atividades espíritas. Principalmente voltadas ás mulheres. Gosta mesmo. Ali ela se sente realizada, livre e feliz. Vaidosa, procura estar sempre bonita e bem arrumada, pra destacar os olhos azuis e o rosto bonito, de pele muito branca. Vamos crescendo, no novo bairro, que também vai crescendo junto com a gente, meus irmãos já trabalhando e todos estudando. Ganho uma Monareta verde. Que bicibleta! Rodava a cidade inteira, olhando, observando as coisas e guardando os caminhos. Moleque livre, fazendo molecagem. Foi mais ou menos nessa época que faço uma das viagens mais marcantes, até hoje. Minha tia Maria, era alta, forte, de ossos pesados e muito bonita e simpática. Típica nona italiana mesmo. Pegamos o trem bem de manhãzinha.




É engraçado o quanto é agradável o clima numa estação de trem – ao menos nas estações daquela época, ainda tinha-se um romantismo. Algo de especial. Eram poucas linhas entre as cidades do interior e partimos rumo a Campinas. Íamos passar uns 20 dias com a Tia Doca. Aquelas composições antigas, de madeira, eram incrivelmente modernas. Era um vintage-moderno. Era velho, mas era moderno. E o  vagão restaurante então. Almoçamos observando a paisagem pela janela, passando lentamente pelos olhos, e o vento tranqüilo soprando. Dizem que minha outra tia beata Helena, teve um noivo que era dono de um vagão-restaurante. E depois que se romperam, ela nunca se casou. Ele sim. Ela não. Que viagem! Imagina pra um moleque, poder correr entre os vagões, conversar a vontade com todos, e ainda conhecer toda a região, desde o interior de minas até quase São Paulo, da janela de um trem? Não entendo porque nenhum milionário careta ainda não pensou em reativar essas linhas ferroviárias turísticas no Brasil.
Dessa mesma época, vem outro episódio que merece ser relatado. Sempre íamos pras fazendas dos primos da dona Onésia. Guarde esse nome, lembra? E dessa vez estávamos todos lá novamente, curtindo aqueles dias, onde podíamos ficar conversando o dia todo, correndo, nadando e comendo de tudo. Sem contar que podia-se andar a cavalo o dia todo, se quisesse. Nas férias, todos os dias eram de sol. E num desses dias, me lembro de acordar animado, e já pular da cama meio agitado. E naqueles dias os moleques já pegavam a caneca e iam pegar o leite quente direto na fonte. Era um café da manhã daqueles. Pão de queijo caseiro, bolo caseiro e quitute de fazenda. Nesse dia, saímos a pé, andando pela fazenda. A tropa toda, caminhando pelos trieiros, passando por riachos e muitos, muitos pés de fruta. Até hoje não como uma fruta chamada carambola. Sinto o cheiro de longe. Lembro que paramos, e colhendo as mais maduras, íamos comendo ali mesmo. E moleque da cidade na fazenda, parece um moleque da fazenda na cidade. Não sabe muito bem a medida das coisas. Depois, a vítima foi uma goiabeira. Depois uma jabuticabeira.
Bom, ao voltarmos pra sede da fazenda, os homens estavam preparando um porco inteiro pro almoço. E eles tinham uma técnica de colocar uns pedaços de pele de porco para curtir ao sol, encharcadas no sal grosso. Tipo pururuca caseira.



Cortavam e sapecavam a pele do porco no fogão a lenha e depois deixavam lá pra curtir. E  ali  começava uma história interessante. Lembro que o sabor era forte, mas saboroso. Os moleques da fazenda me avisaram que era forte e que normalmente os homens comiam muito isso durante as pescarias. Dava muita energia. Foi apenas um pedaço, mas o suficiente pra contribuir para o que estava por vir.
Pra não bastar a equação gastronômica explosiva que eu estava montando, antes do almoço ainda inventamos de tomar caldo de cana. Pronto, o gatilho tinha sido disparado! E me lembro do enjôo forte e uma tontura estranha, para um moleque de 12 anos. Passei pelo meu pai, sentado na mesa da cozinha e segundo ele soltei uma frase que causou estranhamento instantâneo. – Pai, vou deitar um pouco. O quê? Logo antes do almoço? Tem algo de errado com o pirralho. Depois da imagem do meu pai sentado, não me lembro de mais nada. Todos contam que eu fui ficando roxo, começando pelas mãos. E imóvel, não respondia mais. A fazenda ficava a uns 15 kilômetros da cidade do Prata. Tinha chovido e as estradas estavam complicadas. E segundo minha madrasta – Dona Onésia – se me levassem a cavalo eu não chegava nem até o meio do caminho. Nessa altura, minha avó já tinha tentado todos os chás que ela conhecia e nada. Sem reação. A Dona Maroca também fez umas misturas caseiras, sem resultado.
Aqui entra uma das primeiras peripécias da Dona Onésia. Ela vai salvar minha vida. Literalmente. Segundo ela, a avó dela, tinha lhe ensinado um chá que cura as chamadas – na época – congestões estomacais. No mineirês : “Congestã”.
Por que mineiro não diz boa tarde. Ele diz “tardi”. E bom-dia, “dia”. Tinha-se notícia de muitas congestões estomacais naquela época. Era meio que comum. Acontecia. Só que a minha estava ficando séria. Quando a minha boca começou a ficar roxa, eles desesperaram. A Dona Onésia chamou o Riquinho(Carlos Henrique) de lado:  - Toma esse copo d´agua inteiro e agora! Enérgica. O moleque não entendeu nada. – Toma outro. – E outro. Ela já separou uma cassarola de alumínio, foi até o quintal e arrancou uns brotos de mamão. Lavou, e começou a fervê-los em água quente.
Depois de alguns minutos, ela adicionou ao chá a urina do filho dela. Pumba! Estava feita a poção mágica da vida eterna do moleque burro que misturou o que não podia! Foi colocando aquela mistura na minha boca, usando uma colher de sopa. Bem aos poucos. E aos poucos também, fui voltando á vida. O aspecto vivo-morto foi desaparecendo, já comecei a querer tossir e a mexer na cama. Minha avó disse que quando eu vomitei aquele novelo preto de porcarias estomacais, do tamanho de um limão, todos ficaram espantados. Foram aproximadamente umas 24 horas nesse processo todo. E as minhas primeiras frases, quando estava de volta, foram : - Pai, tô com fome!


Desse episódio eu me lembro apenas de uma luz branca, que ás vezes eu via, durante essas horas de “congestã”. E quando já estava melhorando, eu ouvia as vozes do pessoal ao redor, inclusive a do meu pai, que falava pra caramba, sem parar. Ele sempre fala pra caramba, sem parar. Quanto á luz, era como se fosse um túnel grande, em que uma pessoa pode entrar andando. De novo, parece que tocavam música clássica. Uma paz, uma serenidade sem precedentes. Não tive medo, e nem dá pra ter. Acho que em determinadas situações em que percebemos que não se tem muita escolha, vem um relaxamento natural.
Essa minha tia Maria – da viagem de trem – morreu de câncer. Nos últimos dias dela, ela estava toda roxa, com os olhos amarelados e muito doente. Mas parecia que estava em paz. Conformada e tranqüila. Acho que todos nós só passamos por aquilo que podemos suportar.
E nada nessa vida, nem a morte é algo tão complicado assim. Todos passam. Todos suportam e todos continuam sempre em frente, mais do que nunca, vivos.

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